sexta-feira, 18 de julho de 2008

No tempo de Vieira

Velázquez
1629

No tempo de Vieira

Velasquez
1656

O jogo do Poder:

À primeira vista, Velasquez, um dos maiores pintores de todos os tempos, representou nesta grande tela uma inocente cena da corte.
Aparentemente, tratar-se-á de um retrato de uma infanta. Será assim um tema tão importante que motive tamanha obra?
Na verdade, assistimos a um jogo muito interessante:
O pintor deixa-nos uma visão mais complexa da realidade, pintando diversas personagens e outros elementos simbóloicos em sucessivos planos:
  • Vemos, em primeiro lugar, a infanta rodeada por damas de companhia, por criadas e um cão.
  • Em segundo plano, o próprio pintor. Vemos à sua frente uma tela e nas mãos a paleta e um pincel. Ou seja, afinal também é um auto-retrato.
  • Do lado direito, uns criados ou uns religiosos.
  • Ao fundo, a parede está coberta de quadros. Reproduzem-se à escala diversas obras.
  • Nessa parede, um espelho reflecte duas figuras: são o Rei e a Rainha. Se "reconstruirmos" mentalmente o espaço sugerido pelo autor, naquele momento, estar-se-ia a retratar não a infanta mas o casal numa cena que representa a intimidade da família real. No auto-retrato, o pintor está voltado não para a pequena infanta, mas para o casal real. Eram estes que estariam a ser retratados afinal.
  • Ao fundo, depois de uma porta, subindo umas escadas, espreitando sorrateiramente, talvez um camareiro velando pela família real. A identidade desta personagem é objceto de muitas discussões porque se considera importante para se decifrar o mistério deste quadro. O que estará ele a fazer: a proteger a família real ou a controlá-la?

A corte era a de Filipe IV de Espanha, III de Portugal.

A infanta era sua filha que era, nessa altura, senhor de Portugal e de Espanha, para além de um vasto Império.
Por isso é que o quadro se denomina Las Meninas e não Las Ninas, uma vez que a infanta era portuguesa. Coisas da História...


O quadro encerra, pois, um jogo, em que entra espelhos e tudo (afinal o autor está a representar quem ou o quê?) e uma narrativa (pode-se contar uma pequena história à volta destas personagens).

Pedro Semedo


No tempo de Vieira

BERNINI
Capela Cornaro
Igreja de Santa Maria da Vitória
O espectáculo da Fé

No tempo de Vieira




Praça de S. Pedro do Vaticano

A Igreja de S. Pedro é, estilisticamente, uma obra renascentista, cujo plano se baseia no quadrado e no círculo. Teve, ao longo da sua demorada construção, numerosos planos e outros tantos arquitectos.

Porém, a praça é da autoria de um só: Bernini.
À maneira barroca, preferiu uma geometria mais dinâmica: a elipse neste caso.
Mas a arquitectura também "fala". Neste caso parece que praça, ao formar dois longos braços, quer que os peregrinos que visitam a sede da Igreja, se sintam acolhidos num "abraço" fraternal e, assim, experimentem a sensação de fazerem parte dela.

No Barroco, prefere-se o calor do afecto ao equilíbrio da razão.


No tempo de Vieira


No tempo de Vieira




A FACHADA COMO UMA MÁSCARA


Repare-se na planta da igreja e na estampa que reproduz a fachada.

Imagine-se que chegávamos numa carruagem do século XVIII e observávamos o edifício pela primeira vez. Que sensação nos sugeria?

Em primeiro lugar, o de contemplarmos um edifício de escala esmagadora, sem dúvida.

Também cria uma interrogação perante o seu interior: um único espaço muito amplo (à maneira de S. Pedro do Vaticano) ou uma imensidade de divisões (como o Mosteiro de Mafra ou a Versalhes dos luízes)?

E aquelas colunas altíssimas, o que fazem ali? Uma brincadeira à volta da "coluna de Trajano"?

A gramática clássica também ali está representada: frontão, colunas, cúpula (algo excêntrica, é verdade), etc. A porta de entrada parece a de um templo romano, até tem uma escadaria de acesso a um pequeno "podium".
Contudo, o resto da fachada (torreões e outros elementos) parece abafar e anular de certa forma a entrada à "romana". Ou seja, a gramática arquitectónica "antiga" está presente mas, à boa maneira barroca, os diversos elementos dispõem-se a uma escala monumental e numa subversão da relação entre si, o que nada tem a ver com as regras clássicas da proporcionalidade e do equilíbrio, ainda que mantenha uma certa simetria.
Ou seja, o Barroco também utiliza os referidos elementos mas altera-lhes completamente a relação determinada pelo "módulo" que vinha da Antiguidade e que tinha sido reinterpretado no Reanascimento. O Barroco surge-nos, assim, como uma subversão da ordem.

Entretanto, apeamo-nos da nossa carruagem e dirigimo-nos à igreja.
A escala é sobrehumana. Esmaga-nos.
Há uma contradição entre a linguagem clássica de uns elementos e a imensa massa, aparentemente caótica, dos torreões laterais. Acrescenta-se ainda a excentracidade das colunas (mas que raio fazem aquelas coisas ali?).

Antes da nave, existe um corredor curto, uma espécie de nártex, antecâmara da nave principal e espaço intermediário entre o exterior (o século) e o interior sagrado.
Este espaço é interceptado perpendicularmente por dois outros corredores, um à esquerda e outro à direita.
Espreitemos com curiosidade: que divisões servem estes corredores? Percorramo-los. Afinal descobrimos que não servem divisão alguma!!!! Nada. A não ser umas portas para as traseiras do edifício.

Entramos, finalmente, na nave. É única!!!

Tem umas capelas de cada lado, talvez para sugerir uma amplitude de espaço que a nave não possui.
A nave, elíptica, sugere uma certa profundidade, ampliada pela ábside bastante profunda.

A cobertura é dada por uma abóbada alta, reforçando a sensação de amplitude da nave.
Todos estes elementos são truques que nos induzem a criar uma "experiência sensorial", isto é sugere-nos uma amplitude de espaço que efectivamente não possui. O interior é, na verdade, muito mais pequeno do que nos parece fazer crer. Cria uma ilusão de amplitude através de pequenos truques arquitectónicos e da geometria da sua planta.

Bem vistas as coisas, a fachada também é um logro: promete-nos um interior muito diferente daquele que nos sugere à chegada.
Os tais torreões laterais não servem para outra coisa a não ser criar uma sensação de amplitude. É mais um truque.
A fachada também é uma máscara.
Pedro Semedo

No tempo de Vieira

O DINAMISMO DAS FORMAS IRREGULARES

Templos barrocos com plantas elípticas:
1.Roma: S. Carlos das Quatro Fontes (C. Borromini, 1636-1640)
2.Bécs: Karlskirche (J. B. Fischer von Erlach, 1716-1737)
3.Linz: Templo Carmelita (M. Wittwer, 1713-1738).

No tempo de Vieira


David e Golias, Caravaggio.



CONVENCER PELO HORROR

Em cenas como esta, representando episódios bíblicos, os autores salientavam os aspectos macabros, mostrando ostensivamente o sangue jorrando do golpe, as expressões dos degolados, a atitude resoluta dos personagens: não pode haver piedade para os ímpios.


EGIXIR ADESÃO INCONDICIONAL

A Igreja Católica exige a cada fiel uma adesão sem reservas, mesmo que para isso tenham de executar as tarefas mais arriscadas, para as quais pareceria haver outros melhor qualificados:

  • nesta cena de David e Golias, o mais jovem tomou o lugar dos mais velhos na defesa do seu povo;
  • na cena de Judite e Holoferne, reproduzida noutro "post", foi uma mulher a fazê-lo em vez dos homens, liquidando o tirano.

O PAPEL DRAMÁTICO DA LUZ

Um foco de luz intensa incide nos elementos mais dramáticos das cenas e faz mergulhar na penumbra tudo o resto.


Este violento claro-escuro é uma marca poderosa do Barroco.

No tempo de Vieira


No tempo de Vieira


terça-feira, 8 de abril de 2008

No tempo de Vieira



Michelangelo Merisi da Caravaggio
A Crucificação de São Pedro, 1600-01; Capela Cerasi, Santa Maria del Popola, Roma

segunda-feira, 3 de março de 2008

O tempo de Vieira

Michelangelo Merisi da Caravaggio (1597-1598), Judite e Holoferne



BARROCO E CONTRA-REFORMA



O surgimento do estilo Barroco está estreitamento associado à Reforma Católica e às disposições saídas dos longos debates ocorridos durante o Concílio de Trento.
A Igreja Católica era, à entrada do século XVI, a maior organização nos diversos países da Europa Ocidental e praticamente monopolizadora do negócio das almas. Fora algumas minorias (os Judeus) a esmagadora maioria da população era profunda e convictamente cristã e a Igreja era a instituição que enquadrava a prática do culto e determinava os princípios da Fé.
Apesar do seu emorme poder, era uma instituição em profunda crise. Dentro dela numerosos interesses e tendências, muitas vezes contraditórios entre si, procuravam determinar o seu destino. As discussões não se limitavam ao mero debate teológico, que era fogoso e autêntico, mas também ao papel do clero e ao exemplo que este deveria dar. Na verdade, havia vastas razões de queixa pela forma como parte dos membros da Igreja exerciam a sua função pastoral e como se comportavam perante os fiéis. A começar no vértice do poder: o Papado.
Mesmo no interior da instituição grassava o descontentamento e algumas tendências atingiam o limite da heresia. Vários ousaram ultrapassá-lo e pagaram com a vida. Nada que não tivesse já acontecido em séculos anteriores, em que tais dissidências, por vezes toleradas por certos períodos de tempo, acabaram com os seus mentores e respectivos seguidores perseguidos e, muitas vezes, aniquilados. Num ou noutro caso foram absorvidos, como no caso de S. Francisco de Assis e seus seguidores, incorporando-os nos debates internos da Igreja.
A novidade deste século XVI é que três desses movimentos deram lugar ao Protestantismo: Luteranismo, Calvinismo e Anglicanismo. Estas dissidências sobreviveram pelo apoio de parte significativa da população de certas regiões. Mas o factor fundamental foi a adesão de sectores significativos de membros da nobreza, tradicionalmente aliada da Igreja. Na Alemanha decidiu-se pelos argumentos de Martinho Lutero. Em Inglaterra, foi o próprio Rei Henrique VIII a dar origem à Igreja da Inglaterra. O Centro e o Norte da Europa, com algumas excepções (Polónia, Países Baixos), tornaram-se Protestantes.
Os séculos XVI e XVII conheceram terríveis lutas sectárias entre as diversas facções, seitas e Igrejas na Europa Central, tendo Portugal, a Espanha e a Itália sido poupadas porque se mantiveram sempre do lado Católico. Aí, as manifestações de heresia e de dissenção foram minoritárias, quase sempre reduzidas a uma elite intelectual e, por isso, controláveis.
Contra a dinâmica da dissidência, a Igreja respondeu com o Concílio de Trento. Ocorrido intermitentemente entre 1545 a 1563, foi convocado pelo Papa Paulo III para assegurar a unidade da Fé e a disciplina eclesiástica. Isto é, destinou-se a determinar os princípios e dogmas fundamentais e, por outro lado, a reorganizar e restabelecer a ordem nos membros do clero e nos próprios fiéis.
Deste Concílio saiu a ideia, entre muitas outras, de que para revigorar a Igreja Católica era fundamental introduzir uma nova retórica, fomentando junto dos crentes uma nova confiança através de uma renovada capacidade de transmissão da sua mensagem.
A ARTE surge, assim, como uma das armas desta renovação, assumindo-a nas suas características temáticas e formais. A Igreja Católica quis marcar o contraponto à sobriedade e à iconoclastia do Protestantismo, levando os artistas a criar obras que se destinavam a emocionar e a incrementar a devoção mais através das sensações do que da razão.
Além disso, cenas de nus, temas pagãos ou cenas escandalosas foram proibidas, chegando-se ao ponto de sobrepor discretos panos sobre as “vergonhas” das figuras nuas pintadas nas paredes da Capela Sistina, no Vaticano, por mestres como Miguel Ângelo a mando dos papas que antecederam estes novos tempos.
Não significa que o Barroco tenha sido um estilo exclusivamente católico ou religioso. Também artistas das novas religiões reformadas utilizaram os mesmos princípios estéticos, embora com resultados diferentes (em geral, mais sóbrios). Igualmente, os reis e senhores da época mandaram fazer obras para si, com dupla intenção: salientar o seu poder junto de súbditos e dos inimigos (propaganda) e deixar marca visível da sua passagem pela vida. Também plebeus, com maior ou menor fortuna, mandaram fazer obras como forma de afirmação social recorrendo à nova estética, exigindo, quase sempre, uma maior aproximação à realidade.
Outro produto da Reforma Católica foi a fundação da Companhia de Jesus (os jesuítas) uma ordem religiosa fundada em 1534 por um grupo de estudantes da Universidade de Paris, liderados por Santo Inácio de Loyola. As “armas” desta nova ordem seriam a pregação e o ensino como formas de levar a cabo a missionação nos velhos e novos territórios. Por isso, criaram escolas, muitas delas ainda hoje referências na qualidade de ensino. Nos primeiros tempos, esta nova organização deu prioridade à missionação e desenvolveu uma actividade incessante tanto em território católico como nas terras recentemente descobertas e algumas ainda por descobrir. Os primeiros europeus a chegar à China depois de Marco Polo foram padres jesuítas muito apreciados por lá pelos seus superiores conhecimentos de astronomia e matemática.
Nesta sua missão, a oratória, como arte de persuadir pela palavra os incréus e de recordar aos fiéis o caminho da “verdadeira” Fé, foi por eles elevada a verdadeira arte.
O Padre António Vieira é, portanto, fruto da nova estética saída do Concílio de Trento, beneficiando da aprendizagem que as novas escolas proporcionaram e assumindo com empenho e militância a missionação. Os seus celebrados Sermões são, só por si, obras-primas da literatura em Língua Portuguesa. Mas não podem ser inteiramente compreendidos sem que se entenda a época e os homens que a viveram.
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Pedro Semedo
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terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

O tempo de Vieira



O BARROCO

A palavra é, muito provavelmente, de origem portuguesa, designando uma pérola de feitio irregular.
O Barroco caracteriza-se por uma grande complexidade estilística, por vezes com aspectos contraditórios, sendo difícil estabelecer entre certas obras classificadas como tal afinidades estilísticas. Além disso assumiu muitas variantes regionais.
De uma forma geral, procura exprimir estados emocionais, utilizando efeitos mais ou menos dramáticos e estímulos que visam provocar uma excitação nos sentidos do espectador. Utiliza recursos estilísticos como o movimento, a tensão, a multiplicidade de estímulos, a exuberância, o drama, o dinamismo das formas irregulares, duplos e triplos sentidos, jogos de interpretação. Também se notou neste período uma tendência para esbater as distinções entre as diversas expressões artísticas, procurando integrá-las numa só obra (a “obra total”): uma ópera, por exemplo, passa a ser, ao mesmo tempo, canto, música, teatro, pintura (cenários), arquitectura (cenografia), etc.
Como período, engloba uma multiplicidade de manifestações artísticas, com as primeiras obras a surgirem na Itália, no século XVI, estendendo-se, por todo o século XVII, pelo resto da Europa e pelas colónias americanas de Portugal e Espanha, tendo sido progressivamente substituído em meados do século XVIII pelo Rococó e pelo Neoclassicismo.
A expressão “barroco” pode ser usada como adjectivo ou como substantivo.
Como substantivo, Barroco designa uma época artística. A verdade é que nem um só artista desse tempo atribuiu à sua obra tal designação, porque, durante esse período, o termo não era aplicado à arte. Foram autores alemães que o fizeram no século XIX, de forma a designarem todas as obras de arte executadas após o Renascimento. Nesta altura, o sentido da palavra era negativo (extravagante, irregular, exagerado, estapafúrdio), mesmo pejorativo, uma vez que se considerava o período do Renascimento como o ponto mais elevado da arte ocidental e as obras posteriores como uma decadência ou degenerescência.
Entretanto, surgiu o termo Maneirismo, para englobar um conjunto de obras e de autores que, seguindo aparentemente as regras classicistas, muito subtilmente as subvertiam. Era uma arte intelectualizada, elitista, fria, só para iniciados.
O termo Barroco surge, então, a designar mais precisamente as obras que, embora subvertendo igualmente as regras do Renascimento, faziam-no exuberantemente, através do movimento e da agitação dos sentidos. Era de compreensão mais intuitiva e imediata porque apelava aos sentidos e às sensações.
Entre historiadores e críticos passou a ser usado de forma mais neutra: designa, pura e simplesmente, um determinado período da arte ocidental, entre o Maneirismo e o Rococó. Perdeu, portanto, a carga pejorativa a que se sujeitou tanto tempo entre os historiadores, os críticos e os amadores de arte. Passaram a aplicá-lo para além da arte: também a sociedade dessa época, no seu modo de estar, seria Barroca.
Como adjectivo, o termo perde a maiúscula no B e aplica-se a todas as situações, sejam artísticas ou não, em que se evidenciam as características acima enumeradas. Neste sentido, aplica-se muitas vezes a certas manifestações artísticas em determinados períodos em que as obras se tornam mais dramáticas: por exemplo, certas obras do Período Helenístico da escultura grega são descritas através do adjectivo barroco, dada a tendência dos artistas desta época em retratar cenas de forte carga emocional (por exemplo, "O Gaulês Moribundo"), ao contrário dos autores do Período Clássico, que retratavam a impassibilidade de heróis imperturbáveis. Da mesma forma se aplica ao Gótico Final (Flamejante) ou a certas tendências contemporâneas, não só na arte, mas também em diversas outras situações sociais (“A Sociedade do Espectáculo”).
Certos autores, como Henri Focillon, defendem uma visão “vitalista” da Arte. Os seres vivos nascem e crescem, atingem a plenitude na fase de amadurecimento e acabam por declinar e morrer. As formas artísticas conhecem movimentos similares: conhecem um período arcaico, uma fase inicial, em que as formas nascem e em que se assiste a um período de experimentação; um período clássico, em que atingem a plenitude e o equilíbrio; e um período barroco, em que as formas conhecem uma degenerescência através de uma decoração excessiva.
Esta visão, ainda hoje muito lida aqui e acolá, parece não reconhecer no Estilo Barroco um período de produção intensa de autênticas obras-primas que, libertando-se do impasse a que as regras classicistas haviam conduzido a arte europeia, concebeu uma forma de expressão original e com múltiplas linhas de desenvolvimento.
O Barroco, como período, tem sido muito estudado nas suas manifestações meramente artísticas e, mais alargadamente, relativamente a um toda uma cultura que invadiu a esfera do exercício do poder, as relações entre grupos sociais (aspectos de sociabilidade e outros fenómenos análogos), formas de religiosidade, entre outras.
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Pedro semedo
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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

As licenças



Antes da imprensa, a difusão do livro era escassa, uma vez que a cópia era feita à mão, numa tarefa em que um livro demorava meses ou anos a ser replicado. A questão dos direitos ou do controlo do autor ou do copista não se punha, num mundo que se regia por tempos, princípios e constrangimentos materiais muito diferentes daquilo que faz o nosso quotidiano.
Com o surgimento da imprensa (1455), deu-se um grande impulso à difusão do livro, com o surgimento crescente do número de impressores que, numa pequena fracção de tempo levado pelos esforçados copistas, compunham e editavam livros a um ritmo cada vez maior.
No século XVI, dificuldades de sobrevivência das oficinas, preocupadas face a situações de fraudes e de outras situações de natureza corporativa, surgiu o chamado Privilégio Real, isto é, o Rei fazia uma concessão particular a determinados impressores, excluindo os restantes do direito de imprimir.
Porém, essas concessões também tomaram um cariz censório sobre os autores, quer controlando a impressão preventivamente, quer assumindo mesmo um carácter repressivo.
Cada livro requeria pelo menos três licenças de impressão: a da Inquisição, a do Ordinário (ou seja, do Bispo) e a do Paço (ou seja, do Rei ou dos seus funcionários); no caso do autor pertencer a uma ordem religiosa (como era o caso de Vieira), juntava-se a licença da Ordem (da “religião”).
Uma vez concedida a Licença o livro podia ser impresso e, depois de concluída esta parte, voltava à Mesa para ver se estava “conforme o original”. Nessa altura vinha a aprovação final, dada pelos 3 (ou 4) poderes, com os termos: “pode correr”. No fim ainda poderia ser sujeito a uma taxa (imposto).
Tudo isto levava muito tempo e era preciso, se a obra contivesse aspectos mais controversos, argumentar com cada um destes poderes.
Havia, portanto, duas censuras: a religiosa (com listagens de livros expressamente proibidos por heresia) e política. Esta última não era menos rígida do que a primeira, dependendo da tolerância do monarca. Nos casos em que havia maior severidade, aumentava também a impressão clandestina e a circulação de livros proibidos por circuitos paralelos.
A obra impressa do Padre António Vieira foi sujeita a todas as licenças e circulou sem restrições aparentes.
Pedro Semedo

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

À maneira de Vieira...

Sermão de um Filho a Seus Pais
Capítulo I

“Tu és a atmosfera de uma estrela”

Pais e filhos, este é um ciclo que se estende desde o início da vida. Considerando que os filhos são como pequenas estrelas, que se vão expandindo no Universo do seu ser e cujo brilho não deve ser ofuscado, os pais são como a atmosfera que mantém o brilho dessas estrelas.
E quando essas estrelas não brilham? Qual será o motivo dessa escuridão? A atmosfera, decerto. Ou é porque esta é ténue e escassa, deixando a estrela desprotegida, fazendo com que esta se vá apagando, ou porque é tão volumosa e intensa que não permite a passagem do brilho para o exterior.
Para evitar esta situação, a atmosfera deve ser controlada, deve existir um equilíbrio que proporcione um ambiente perfeito.

Capítulo II

Enfim, os pais são aqueles seres que todas as pessoas desejariam ter presente ao longo da sua vida. São eles que nos protegem, que nos guiam, que nos fazem sentir bem quando tudo à nossa volta parece perdido.
São eles os primeiros a dar-nos a mão quando caímos, são eles que nos ajudam a construir uma ponte forte e segura para podermos atravessar, passar por cima de todos os nossos medos e inseguranças. São os pilares da nossa vida, são o suporte da nossa existência. São eles que garantem uma sólida construção do nosso futuro. Outra das qualidades dos pais é também visível num animal, tão nosso conhecido, o pinguim; este arrisca a sua vida pelas crias, pela segurança e conforto das mesmas, assegurando assim a perpetuação da vida. Também os pais lutam todos os dias das suas vidas para nos proporcionarem conforto e segurança. Eles são verdadeiros e incansáveis batalhadores. Os pais são também quem nos ensina, quem nos transmite ideias, valores, cultura. E diz Ruth E. Renlcer, “ às vezes o homem mais pobre deixa a herança mais rica”, pois a melhor, a mais rica herança que um pai pode deixar a seus filhos é o conjunto de valores que lhe transmitiu e que são imprescindíveis para a sua vida em sociedade, para o seu futuro como cidadão responsável.
Em suma, os pais são a origem de tudo o que somos e nós somos a seu reflexo mais fiel.



Capítulo III

Explorando agora o particular, podemos exaltar alguns casos de amor, de luta, de apoio infindável. Situações em que os pais não deixaram que o brilho das suas estrelas se apagasse.
Um dos casos que merece destaque é o caso de Lara, uma mãe lutadora que tudo fez para salvar o seu filho de uma vida sombria e repleta de obstáculos, um mundo onde qualquer estrela perderia o seu brilho. Lara, apesar de todo o sofrimento, nunca desistiu e sempre levantou o seu filho quando ele caía nas garras da droga. Ela foi o seu pilar, a sua ponte para a saída daquele abismo sem fim. Com toda esta força e coragem, Lara salvou a sua estrela e repôs o seu brilho.
Entrando num mundo diferente do racional, que é o dos humanos, podemos referir um caso não menos impressionante, o mundo animal. Existe uma aranha que oferece o seu próprio corpo às suas crias, assim que nascem como forma de alimento. Oferece, assim, o seu bem mais precioso, a vida, em prol da sobrevivência da sua descendência. Haverá maior sacrifício que este?
Indubitavelmente os pais arriscam tudo e dão tudo em troca da sobrevivência e felicidade dos seus filhos.


Capítulo IV

Todo o amor, todo o carinho que os pais nos dão, todo o conforto que nos proporcionam é algo que nos é absolutamente indispensável, mas tudo isto tem que ser equilibrado. É neste aspecto que, por vezes, os pais falham. É que nem sempre são capazes de equilibrar os seus sentimentos para com os filhos.
Quando todo este amor é em demasia e há uma protecção excessiva, os filhos acabam por se sentir aprisionados. Sentem-se revoltados. Parece que as suas asas não foram feitas para voar e que o mundo que os rodeia é grande demais para ser explorado. Que consequências podem advir desta situação? Esta protecção em excesso faz com que os filhos não estejam preparados para o mundo que os rodeia, e então surgem os medos e as frustrações.
Como dizia Mahatma Gandhi “ A liberdade não tem qualquer valor se não incluir a liberdade de errar”, ou seja, proteger os filhos não é rodeá-los com uma muralha, mas sim deixá-los errar para que eles aprendam com os próprios erros, tornando se mais fortes e capazes de erguer a cabeça no meio da tempestade.
Também há casos em que se verifica o oposto da situação anteriormente referida. É verdade que há pais que não apoiam, não dão verdadeiro amor, que não protegem os seus filhos. Deste desprezo resultam crianças carentes, revoltadas e que se sentem abandonadas e perdidas no mundo, pois falhou-lhes o núcleo fundamental. O futuro destas crianças fica, deste modo, condicionado, pois estes não tiveram as bases necessárias para a construção do mesmo.
Estes erros são, de facto, condenáveis porque põem em risco todas as coisas que os pais devem garantir aos seus filhos.


Capítulo V

Descendo novamente ao particular, podemos verificar tantos casos, em tantas partes deste nosso mundo, de pais que fazem sofrer os seus filhos, pais que cometem erros que prejudicam o seu bem mais precioso. Todos os dias, na televisão, nos jornais, ouvimos ou lemos relatos de casos em que isto acontece.
Madalena é um desses casos. O seu amor era de tal forma excessivo i incontrolável que sufocava o seu filho. A protecção excessiva de que fazia questão de não abdicar era motivo da tristeza do seu filho, que não podia voar livremente. Madalena não o deixava sair de casa com os amigos pois tinha medo que se magoasse; fazia questão de o acompanhar a todos os eventos realizados na sua escola, e levava-o constantemente a médicos de várias especialidades para se certificar de que este não estava doente. Toda esta situação fez com que o seu filho não se sentisse feliz; as suas asas ficaram atrofiadas; o seu brilho foi ficando baço.
Pelo contrário, Filipe era um pai ausente. Desde a morte da sua esposa vira-se responsável pelo seu filho, mas na verdade quem cuidava dele todos os dias era a empregada que tinha contratado. Filipe nunca passava tempo nenhum com o seu filho, estava constantemente a trabalhar e a viajar. Nunca comparecias nas reuniões da escola e raramente ia passear com o filho. Resultado: uma criança carente e revoltada, pois via todos os seus colegas da escola com os seus pais e sentia-se só, abandonado.
Se todos os pais colocassem os seus sentimentos numa balança, se olhassem para os seus erros, se estivessem atentos, se não… enfim, se, se, se…num mundo perfeito haveria com certeza pais perfeitos.



Capítulo VI

As palavras “pai” e “mãe”, tantas vezes pronunciadas, em todas as línguas, têm um significado especial. Especial, não só porque os pais têm um papel importantíssimo, mas também porque cada pessoa atribui o seu próprio significado a estas palavras. Mãe e pai são aqueles que fazem girar a roda da nossa vida, assim como o vento ajuda a mover o moinho; pai e mãe são aqueles que nos apoiam, assim como o tronco de uma árvore sustenta a sua copa; pai e mãe são aqueles de que necessitamos, assim como o ser vivo necessita do oxigénio; pai e mãe são aqueles que nos guiam, assim como os rios guiam a água até ao mar. Apesar de serem tudo isto, também podem errar…
Como o mundo é formado por pais e filhos, se todos os pais soubessem lidar com os seus filhos e se todos os filhos soubessem lidar com os seus pais, o mundo seria muito melhor, com certeza.
Este sermão é uma reflexão sobre o Homem e o mundo, uma forma de expor factos não menos importantes que outras questões julgam ser consideradas de nível mundial, pois os pais são a génese deste mundo.
Aline Oliveira, nº2,
Ana Rita Santos, nº4,
11ºA

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Actividades no C.C.B.


O CCB evoca o quarto centenário do seu nascimento dedicando-lhe a programação de 6 de Fevereiro de 2008.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

À maneira de Vieira...

Sermão a um ex-namorado
Amor é como a lua, quando não cresce mingua.”


I
Tu, meu ex-namorado, dizes que sou a culpada de tudo mas, no fundo, sabes que ambos somos culpados pelo ponto final na nossa relação. Será que não me soubeste compreender ou eu não me soube exprimir? Será que eu me soube exprimir e tu não quiseste compreender? Será que eu não me quis expressar da melhor maneira e tu não conseguiste compreender? Será que eu não me quis exprimir correctamente e tu não tentaste compreender-me? Será que os sentimentos mudaram e não nos apercebemos disso? Não é tudo isto verdade? Talvez sim, talvez não.
Qual será a solução para este nosso dilema? Tentarmos de novo e ser felizes ou perdermos este sentimento para sempre?
A nossa história começou muito bem. Namorámos mais de cinco anos, e sempre nos apoiámos em tudo; o que terá corrido mal desta vez? De uma coisa eu tenho a certeza… o amor nunca nos faltou em nenhum momento da nossa relação, verdade?...


II
Em todos os homens existentes na terra, nós, mulheres, destacamos duas virtudes comuns a todos vós.
A coragem é uma virtude que os homens possuem. Demonstram-na nas situações mais extremas e adversas e de mil e uma maneiras. Os soldados da paz, por exemplo, evidenciam esta qualidade todos os dias, quando são chamados para socorrer quem mais necessita da sua ajuda. Os polícias trabalham todos os dias em prol da nossa segurança, arriscando muitas vezes a sua própria vida. Poderia referir muitos mais exemplos que comprovassem o que digo, mas estaria a tornar-me maçadora.
Outra das vossas melhores qualidades é a vossa protecção em relação aos vossos entes mais queridos. Está no vosso sangue! O instinto afectivo em relação, por exemplo, aos vossos filhos, conduz-vos à protecção contra os perigos que espreitam em cada esquina. Esta vossa característica também se manifesta quando necessitais de proteger as vossas amadas, de protegê-las dos perigos da vida e, muitas vezes, preferis ficar com o fardo pesado e vê-las felizes, do que vê-las sofrer.
Foi uma das qualidades que me levou a apaixonar-me por ti e que ainda hoje me fascina…

III
Ser trabalhador é uma grande qualidade tua, que na tua área, arquitectura, é uma virtude indispensável. Sem todo o teu trabalho, nada do que tens hoje seria possível. Aliás, foi graças a todo o trabalho a que te deste que me conquistaste. Porque com este meu feitio difícil, sem trabalho nada conseguirias.
Mesmo depois de tantas discussões, tantos arrufos, tantas insinuações, houve uma qualidade que nunca te faltou, a sensibilidade. Sempre foste sensível tanto nas situações mais dramáticas e difíceis, como nas mais triviais e, por isso, louvo-te.
Há ainda que salientar a tua beleza, que me encantou desde o primeiro momento em que te vi. E não falo apenas dos teus lindos olhos verdes, do teu cabelo louro, da tua pele macia… Nunca conheci ninguém assim e foi, por essa razão, que te amei e ainda te amo. Como diz o ditado popular, o que está por fora não interessa, apenas interessa o que está por dentro. Porém, no teu caso tudo importa, és belo tanto por fora como por dentro.
Terminar o nosso namoro foi uma decisão muito complicada, tentei pesar os “prós” e os “contras”. E apesar de todas estas tuas qualidades, foi preciso terminar a nossa relação. Tivemos tempo para pensar no que é realmente importante e, quem sabe, apagar o “ponto final” e colocar uma “vírgula” no nosso amor…


IV
Mas, como sabemos, nada é perfeito e todos nós temos defeitos. Por isso, não vou acabar o meu discurso sem falar nos defeitos comuns a todos vocês, homens, e nos teus em particular.
Começo pela presunção dos homens que é, ao que me parece, demasiadamente exagerada. É certo que alguns homens não a possuem, pois existem sempre excepções à regra. Mas toda a presunção que vejo dentro de vós deixa-me bastante irritada. Sei que alguma vaidade pode ser benéfica para a nossa auto-estima, mas em exagero só nos faz parecer aquilo que não somos.
Outro dos vossos defeitos é o machismo; essa vossa ideia de que sois superiores a nós, mulheres, e que, por isso, deveis ter direitos que nós não temos, é totalmente descabida. Como é possível que alguns de vós (não muitos, felizmente), ainda penseis que o lugar da mulher é em casa a tratar dos filhos e da lida da casa? É um pensamento retrógrado e que em nada contribui para um bom relacionamento entre homens e mulheres.
Essa vossa ideia de superioridade leva-vos, por vezes, a maltratar as mulheres. E são tantas e de todas as classes sociais as mulheres maltratadas, espancadas, violentadas pelos seus companheiros!


V
Passando agora ao particular, aos teus defeitos, quero dizer-te que o ponto final da nossa relação me custou imenso, mas não foi de ânimo leve que tomei essa decisão. A tua insensibilidade em relação aos meus problemas e dúvidas provocou em mim uma sensação de vazio, que até hoje não consegui preencher. Essa insensibilidade foi desvanecendo, foi minando a nossa relação.
O meu desgosto contigo não se ficou apenas por esta tua incapacidade de entendimento; a tua intolerância para comigo surpreendeu-me pela negativa, pois as tuas atitudes egoístas, em relação às minhas esperanças, e aos meus medos, desiludiram-me totalmente, e a minha alma e o meu coração escureceram.
O teu ciúme dos meus amigos também me entristeceu muito. O facto de não confiares em mim e de não me teres dado liberdade para aquilo fazer o que eu mais gostava, fez com que a revolta e o vazio fossem crescendo dentro de mim…
Lembras-te de quando acabei o meu curso e andava à procura de emprego? Eu andava completamente de rastos, porque não conseguia encontrar um emprego que nos pudesse dar estabilidade, mas tu, em vez de me apoiares e ajudares a procurar um emprego, não me deste qualquer importância. Doeu muito!




VI
Depois de todas estas palavras que te disse, cada uma profundamente sentida, espero que as guardes no teu coração e, acima de tudo, que te lembres de todos os momentos que passámos, tanto bons como maus.
Admito que também errei em muitas situações, não te apoiei sempre, fui um pouco egocêntrica, não consegui por vezes compreender-te da melhor maneira, mas qual seria a piada do Mundo se fôssemos perfeitos?
Mas estas palavras serviram para eu desabafar e, sobretudo, para que reflictas porque, afinal de contas, continuas a ser o meu melhor amigo. Talvez que estas palavras também sirvam para aliviar esta pressão que existia entre nós. Embora tenha sido um desabafo sobre tudo o que me atormentava desde que “acabámos”, o que gosto e o que não gosto tanto em ti, quero que saibas que ainda acredito.
Que a solução para este nosso problema, talvez não seja a separação; sinceramente acho que merecemos uma segunda oportunidade… o nosso amor exige-nos isso…

Por:
Joana Couceiro, n.º 9
Márcia Andrade, n.º 15
11.ºA

À maneira de Vieira...

Sermão a um Grupo de Amigos


Capítulo I

“Um amigo é um tesouro.”

Os amigos são, tal como a família, as pessoas mais importantes que tenho na vida. Eu e todo o ser humano. Enquanto que a minha família me adora, me ama porque de uma infinidade de combinações genéticas surgi eu, apenas eu, os meus amigos amam-me e apoiam-me por escolha própria, porque através de um labirinto de múltiplas características conhecem o meu verdadeiro Eu, aceitando-me e estando a meu lado tal como sou, na minha mais complexa e secreta identidade que, ao longo do tempo, foram desvendando.
Não há margem para dúvidas que não se compram amigos e também não se vendem … Uma amizade vale mais que todas essas moedas e notas que enchem os bancos, do que todos esses cheques com inúmeros zeros à direita que, diariamente, são depositados nas caixas de Multibanco. Não se consegue arranjar um preço para um amigo; é incalculável, é impossível! Os amigos não têm preço. Na verdade, estão guardados numa parte tão pequena de mim, mas no fundo tão importante, que vale mais que toda a riqueza conquistada na época dos Descobrimentos, que todas as jóias e tesouros que os nossos estimados reis e rainhas possuíram… Estão submetidos ao meu coração! Só e apenas ao meu pequeno órgão vital, mas que lhes dá uma importância inexplicável, que lhes permite fazerem parte do meu gigantesco armário de recordações, que nunca será apagado.
É por isto, amigos, por serdes os meus tesouros, aliás, bem mais valiosos que tesouros, que hoje, aqui, quero não só louvar-vos por tudo o que significais para mim, e para os outros, por toda a vossa importância, por todos os vossos valores.Ah! mas também apontar e repreender alguns aspectos menos correctos da vossa parte.

Capítulo II

Como um amigo é um tesouro e a palavra tesouro sugere-nos coisas valiosas, preciosas, que trazem felicidade a quem as possui, vou começar por louvar as qualidades que, na minha opinião, mais vos caracterizam, meus fiéis amigos.
É essencial louvar uma das vossas características que todos os seres humanos deviam revelar em todas as situações do quotidiano: a verdade. É maravilhosa a vossa capacidade de procurar a verdade, como pequenos filósofos de lupa na mão procurando o valor empírico de qualquer situação, investigando o passado histórico das coisas.
São inúmeras e inexplicáveis as situações conflituosas e banais tão vividas na nossa sociedade, extremamente enfatizadas nas televisões, nas rádios, nos jornais, que fazem grandes escândalos de situações sem pés nem cabeça. Cada vez mais o homem age pelos seus impulsos, não procurando ser válido nos argumentos que usa, querendo sempre ter razão ocultando o verdadeiro lado da sua tese. A verdade é essencial para confiarmos pois, como disse o filósofo Hugo Hofmannsthal, “É preciso no geral, acreditar em alguém, para, no particular, realmente nele depositar confiança”.
Na amizade é fundamental ser verdadeiro pois, meus caros amigos, se não confiamos nos nossos amigos em quem vamos confiar?
Paralelamente a esta virtude, quero louvar o vosso total companheirismo. Numa verdadeira relação de amizade é fundamental nunca abandonar um amigo. Os amigos são sempre amigos, são alguém de que precisamos sempre ao nosso lado para avançarmos na nossa vida. São as pernas que percorrem novos caminhos. São as mãos que conhecem novas texturas. São o paladar que experimenta novos sabores. São o olfacto que sente novos aromas. São os olhos que observam novas belezas. São a mente que se depara com novas decisões.
São poucos e raros os que hoje acompanham os amigos em todas as suas caminhadas, oferecendo-lhes a mão em todas as suas quedas. Vocês põem os amigos na lista das vossas prioridades acompanhando-os sempre em todas as situações pois os verdadeiros amigos estão sempre presentes. Sem pretensões, mas presentes! Nas alegrias e nas conquistas, nas desilusões e nas derrotas.


Capítulo III

Descendo mais para a nossa relação particular de um grupo de inseparáveis amigos, começo por falar na tua capacidade de ouvinte, meu maior confidente.
Não é fácil ouvir alguns desabafos e lamentações, algumas vezes exagerados pois, tal como diz o povo, muitas vezes fazemos tempestades em copos de água. Tu tens uma paciência ilimitada não só de ouvir as confissões que te faço mas também de, no fim, opinares sobre o que te parece ser mais plausível. Sinto-me extremamente confortável quando te confio algum pensamento pois sei que me estás a ouvir e que no fim, como que por magia, vais buscar as palavras certas para falares sobre o meu desabafo, não só aconselhando-me mas lembrando-me que estás sempre ao meu lado, disponível para me ouvir quantas vezes mais forem precisas. Maravilha-me a maneira como jogas com as palavras, como um enorme dicionário ambulante, dirigindo-me as mais cómodas e reconfortantes que, magicamente, me aquecem a alma, pois, como disse Madre Teresa de Calcutá “As palavras de amizade e conforto podem ser curtas e sucintas, mas o seu eco é infindável”.
Louvo sempre os que me ouvem, nomeadamente hoje e aqui, e especialmente a ti, que sempre foste o meu principal conselheiro, pois a magia das tuas palavras, dos teus gestos, dos teus apoios, anestesiam-me o corpo e a alma.
Numa amizade são inesquecíveis todos os momentos que se vivem conjuntamente. Quero louvar em especial todos os momentos que aparentemente seriam “chatos” e monótonos, mas os quais são transformados em pura animação e diversão.
Desta forma, quero louvar, dinâmico e divertido amigo, a tua capacidade de nos divertir quando estamos reunidos, fazendo de pequenas e simples combinações, as maiores e mais divertidas ocasiões. É de louvar a tua agilidade para fazer alegria, contagiando-nos com a tua maneira de ver a vida, Consegues pintar uma barulhenta e animada cidade num deserto silencioso, proporcionando-nos momentos inesquecíveis para guardar no nosso grande armário de recordações.
Recordo uma noite calma e de desânimo por parte de todos, numa sala ainda mais fria e pálida, onde, surpreendentemente, no meio do nada, criaste um enorme festival com todos os pequenos objectos que nos rodeavam e nos quais só tu tinhas reparado. A sala sorria para nós com o som motivante que tocavas. As estrelas pareciam brilhar ainda mais. Pintaste um novo cenário!
Actualmente, o homem vive tão obcecado em fazer bem que vive a sua vida tão monotonamente e nem repara na beleza do que o rodeia, passando grande parte dos seus dias numa desconfortável confusão, mergulhado nas suas preocupações.
Louvo, por isso, toda a felicidade em que vives e a felicidade com que pintas o mundo, contagiando tudo e todos em teu redor com essa tua alegria de viver.


Capítulo IV

Como nada no mundo é perfeito e tudo tem um lado bom e um lado menos bom, passemos agora à repreensão dos defeitos em geral dos amigos.
Vivemos numa sociedade em constante evolução, onde uns lutam para sobreviver e outros procuram onde gastar tanto dinheiro. Infelizmente o homem vive extasiado pelo ter, pelo material, ambicionando sempre mais. Não são poucos aqueles que sobem na vida com a desgraça dos outros e, por isso, vemos, em muitos casos, interesse e falsidade caracterizando uma amizade.
À primeira vista parece-nos impensável, mas todos nós aqui presentes temos a noção de que há casos assim. Há muitas amizades construídas em torno do dinheiro, do poder que um tem a mais que o outro.
É essencial repreender toda esta falsidade e todo este interesse que surge numa relação que deveria reger-se pela confiança, pela lealdade, pela verdade!
Como pode alguém ser feliz com relações à base do interesse? Viver sozinho apenas preocupado com o que o outro tem, e que ele não tem, não lhe trará mais felicidade. Aprendam a dar valor ao que têm! Um amigo é um tesouro. Não se compra. Proporciona mais conforto e felicidade que todo o dinheiro, e mais algum, conseguido numa relação de falsidade e interesse!

Capítulo V

Voltando-me agora para o nosso caso mais particular, é importante referir a pressa que tu, nosso pequeno matulão, tens de crescer.
Na vida há tempo para tudo. Para rir e chorar. Para estudar e descansar. Para comer e dormir. Para namorar e discutir. Estamos na fase da adolescência, uma aprendizagem já mais responsável que a infância. Uma fase de preparação, de descoberta, de luta, de conquista.
Porque desejas tanto ter dezassete anos quando tens apenas dezasseis, ou dezoito quando tens dezassete? Menos um ano de vida? Pode até parecer pouco porque afinal é só menos um ano, mas na verdade são menos trezentos e sessenta e cinco dias, oito mil, setecentos e sessenta horas, quinhentos e vinte e cinco mil e seiscentos minutos, o que, se traduzirmos para segundos, dará um gigantesco número com cerca de oito algarismos. Em cada um destes milhares de minutos perdem-se tantos sorrisos, tantos abraços, tantos carinhos, tantos momentos, tanta vida!
O homem vive numa extrema agitação. São as filas de trânsito que nunca mais acabam. São as correrias para evitar atrasos. São os almoços mal saboreados. O rápido acordar. Os bons – dias que ficam por saudar. Como declamava António Gedeão “O sonho comanda a vida”. O homem desaprendeu! Parece que já não sabe sonhar, já não sabe viver cada dia com prazer, já não sabe saborear a vida, e por isso, corre diariamente evitando cometer falhas. Tudo isto para chegar ao fim do dia com apenas mais um dia de uma longa rotina, sem alegrias para contar, sem surpresas para recordar, sem esperança para o outro dia… sem sonho!
Não tenhas pressa. Aproveita todas as dezenas de horas, as centenas de minutos, os milhares de segundos como se fossem os últimos.
É bom orgulharmo-nos do que fazemos pois todos merecemos um aplauso nas nossas vitórias, mas não é tão bom gabarmo-nos de sermos sempre melhores que os outros.
Numa verdadeira amizade como a nossa, vivemos e aturamo-nos conjuntamente porque de diferentes pontos de vista descobrimos aspectos em comum e, ao longo do tempo, fomos criando esta pura cumplicidade que nos permitiu chegar aqui todos unidos.
Quero repreender a tua pequena insegurança na nossa amizade que leva a que te gabes sempre de todos os teus méritos num exagerado paleio. Adoramos-te e admiramos-te pelo que és e pelo que fazes, não só connosco mas individualmente e com os outros. Aplaudiremos sempre que venças as tuas metas e apoiar-te-emos sempre que falhares e perderes. Sem exibições. Sem exageros. Não precisas de grandes exibições para gostarmos mais de ti e teres a certeza de que nunca te abandonamos, porque não é isso que conta, o que conta é tudo o que temos passado, na nossa honestidade e simplicidade.
A humildade com que Sócrates declamava “Só sei que nada sei” ensina-nos que nunca sabemos demais. Por isso, orgulha-te das tuas conquistas, mas não heroicamente pois são apenas grãos de areia num imenso deserto para descobrir.


Capítulo VI

Depois de ter enumerado todas as boas características e as menos boas que me parecem sobressair na nossa relação de verdadeiros amigos, não posso deixar de agradecer por estarmos hoje, aqui, na nossa segurança e igualdade, aceitando-nos e ouvindo-nos uns aos outros, lutando para melhorarmos sempre mais.
Temos passado e ultrapassado inúmeras situações mais complicadas, outras mais pacatas. Sempre unidos, protegemo-nos uns aos outros com um escudo invisível mas bastante acolhedor: a nossa amizade. Nesta igualdade, nesta simplicidade, nesta alegria, nesta união, neste amor que desfrutamos, criámos uma casa. O nosso segundo lar. Um pequeno refúgio. Uma lareira nas noites frias de Inverno. Uma música no meio do incómodo silêncio. Um oásis no inacabável deserto. Uma fonte de ajuda. Uma fonte de alegria. Uma fonte de amor. Uma fonte de vida!
Agradeço pela nossa amizade, pela nossa verdadeira amizade, por todos os momentos que são guardados no grande armário de recordações de cada um de nós, por todos os sorrisos, por todas as lágrimas, por todos os desabafos, por todos os carinhos, por todos os apoios, por todas as repreensões, por todas as alegrias, por todas as tristezas, por tudo o que vivemos até hoje, por nós!


Trabalho Elaborado por:


Miguel Oliveira 11ºA nº16
Sara Felício 11ºA nº19
Sofia Gordo 11ºA nº20

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Um belo texto de Vieira


"Dizei-me, qual é mais poderosa, a graça ou a natureza? A graça, ou a arte? Pois o que faz a arte e a natureza, por que havemos de desconfiar que o faça a graça de Deus, acompanhada da vossa indústria? Concedo-vos que esse índio bárbaro e rude seja uma pedra: vede o que faz em uma pedra a arte. Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura, informe, e, depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão, e começa a formar um homem, primeiro membro a membro, e depois feição por feição, até a mais miúda: ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos; aqui desprega, ali arruga, acolá recama, e fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar. O mesmo será cá, se a vossa indústria não faltar à graça divina. É uma pedra, como dizeis, esse índio rude? Pois, trabalhai e continuai com ele — que nada se faz sem trabalho e perseverança — aplicai o cinzel um dia e outro dia, dai uma martelada e outra martelada, e vós vereis como dessa pedra tosca e informe fazeis não só um homem, senão um cristão, e pode ser que um santo."


Fragmento do sermão do Espírito Santo, parte VI, pregado pelo Pe. António Vieira, na cidade de São Luís do Maranhão, na igreja da Companhia de Jesus, na véspera da partida de uma grande missão de jesuítas para o alto Amazonas, por 1652.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Documentos




O "Sermão de Santo António aos Peixes", na edição da Porto Editora, pode ser descarregado gratuitamente.

À maneira de Vieira...

SERMÃO DE UM CRENTE A UM PADRE

I
“Deixados para trás”

Nunca irei esquecer de que fomos “deixados para trás” pelos erros que cometemos. Agora, sim, compreendo a situação que estamos a viver. Só ainda não compreendo uma coisa, Padre, é como tu, que ensinaste e converteste tantas pessoas, não creste naquilo que pregaste; levaste a tua Igreja a Deus, mas não levaste o teu coração. Eu, porém, tive a ousadia de remexer nas coisas da minha irmã que, sendo crente, partiu, e encontrei a explicação para o que está a acontecer, “ Eu fui arrebatado no Espírito no dia do Senhor, e ouvi detrás de mim uma grande voz, como de trombeta” - Apocalipse 1:10.
Contudo, Padre, estou aqui, movido pela compaixão de Cristo, para te louvar e te repreender; todos os louvores e todas as repreensões que farei são para que abras os olhos e despertes para a verdade. Foi-nos dada uma nova oportunidade para mudarmos o rumo da nossa vida. Eu não a desperdicei e espero que também tu não a desperdices!

II

Deixados para trás”. Agora, Padre, passarei às tuas repreensões porque nem sempre as tuas acções foram as mais correctas. Quero ajudar-te a compreender tudo o que fizeste, para que tenhas um futuro melhor. Não as encares como algo de mau, mas apenas como uma oportunidade para corrigires os teus erros. Dá-me a tua mão, quero-te guiar, mostrar-te que tens andado perdido e confuso. Agora escuta-me!
Tu pregas a palavra de Deus e, no entanto, as tuas acções fazem-te parecer como as ovelhas perdidas de que Cristo falou, “E ele, respondendo, disse: Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel” - Mateus 15:24. Ninguém te conheceu verdadeiramente, fechaste-te nos teus sentimentos e isso tornou-te insensível; ajudaste as pessoas, mas transparecias frieza e rigidez. Também, Padre, a tua atitude perante os pobres revelou o teu carácter: julgaste-os pela aparência, pela simplicidade e pela sua ingenuidade e chegaste ao extremo de os separar da restante congregação (os ricos e fartos de um lado e os pobres e famintos do outro). Vê até onde chegou a tua crueldade! Olha para o que faziam os fariseus: cuidavam da aparência e do exterior, mas não se importavam com o estado da sua alma. Tu revelaste-te igual porque discriminaste os mais pobres; menosprezaste os verdadeiros ricos de espírito e engrandeceste os pobres de espírito, mas materialmente ricos. Tu sabes que os ricos deram uma pequena parte da sua riqueza, enquanto que os pobres, que pouco tinham, tudo deram; e isto é que é uma oferta genuína!
Também me entristeceu ver que não és um homem de palavra; sobrepuseste os teus interesses aos dos teus crentes. Foram tantas as viagens a que foste e de que não deste notícias, as missas que pregaste em função do tempo e não da necessidade dos crentes, as ofertas mal contadas e o dinheiro desperdiçado em coisas fúteis, mas que te eram benéficas! Não deste o exemplo para a tua Igreja, mas esta, felizmente, manteve-se firme e fiel à palavra de Deus. Tu, porém, não deste muita importância à Palavra e embelezaste as tuas pregações com frases soltas e vagas (que a salvação vinha por meio de Cristo, que os pecadores seriam castigados, etc.), contradisseste-te inúmeras vezes, até mesmo em frente dos descrentes.
Mas, Padre, descansa! Um dia já fui como tu: menti à minha família dizendo ser crente, encarei a missa como algo rotineiro e esqueci-me do seu verdadeiro significado. Não dei o exemplo às minhas filhas, assim como tu não deste aos teus crentes. A minha vida envolveu-se numa gigantesca bola de neve repleta de enganos, mentiras e tristezas; perdi a minha mulher e as minhas filhas (tudo o que mais amava no mundo). Não olho para o que fui, mas para aquilo em que me transformei e desejo que tu também te transformes, pois avizinham-se tempos difíceis. Como sabes, Padre, os anos que se seguem vão pôr à prova a nossa fé e esta é a altura ideal para nos corrigirmos e aperfeiçoarmos. Vão-nos perseguir, maltratar e até matar! Por isso, Padre, advirto-te para que não te percas e para que vejas a luz, o verdadeiro caminho.

III

Descendo ao particular, Padre, direi que uma das coisas que me desedifica, é o facto de há cerca de dois anos, na viagem anual da Igreja, não teres sido responsável pelo grupo de irmãos. A irmã Célia, avançada em idade, ia caindo na piscina do parque sem que tu te apercebesses. O irmão António, que tem problemas de audição, não ouvia as tuas indicações e, em consequência, perdia-se várias vezes. Um Padre, como dirigente da Igreja e dos seus congregados, tem o dever de os ajudar tanto a nível físico como espiritual. Lembra-te: aos olhos de Deus somos todos iguais!
Lembras-te, Padre, quando, numa missa de Reguengos de Monsaraz, todos os irmãos foram de autocarro para lá? Pois é, tu tinhas uma carrinha cedida gratuitamente pela Câmara e nem te dignaste a oferecer boleia aos teus irmãos. Em vez disso, escondeste a carrinha atrás de tua casa (sim, porque eu vi-a!) e deixaste que eles gastassem as suas poupanças numa viagem que poderia ter sido de graça. Olha para o teu egoísmo e como ele te consumiu.
Outra coisa que me entristeceu, Padre, foi o que fizeste, no ano passado, por alturas da Páscoa. Estavas tu, no púlpito da igreja, a anunciar a tua missionação de dois meses em África, quando dois irmãos se ofereceram para te ajudar no que fosse necessário. Tu, na tua soberba, recusaste com palavras amargas a sua ajuda e prosseguiste com a missa. Atenta, Padre, para a palavra das Sagradas Escrituras, “O que semear a perversidade segará males; e com a vara da sua própria indignação será extinto” - Provérbios 22:8, porque esta mesma se cumpriu em ti. A boa vontade dos teus irmãos não te foi suficiente; achaste que conseguias desenvencilhar-te sem quaisquer ajudas; mas Deus mostrou-te que a Igreja é como um corpo, do qual Cristo é a cabeça e os irmãos os restantes membros. Uns não podem viver sem os outros. Em consequência do teu pecado, ficaste sem abrigo em África e passaste fome. Deambulaste sozinho pelas ruas e não achaste coisa alguma senão miséria. Oh Padre! Muito tens tu que agradecer à tua Igreja e ao teu Deus porque de lá te resgataram. Rezaram todos incessantemente por ti até que a graça divina pousasse sobre a tua cabeça.
Também te dirijo, Padre, severas críticas no que diz respeito à forma como geres o dinheiro da Igreja. Os tesoureiros da Igreja ficaram perplexos quando descobriram gastos na ordem dos mil e quinhentos euros por mês nos últimos dois anos. Os irmãos especularam onde teria sido gasto tanto dinheiro, já que nem a fachada exterior da Igreja nem o interior tinham sofrido reparações. Recordo-me de dizeres que esse dinheiro era para ajudar a missão e os desalojados vítimas de desastres naturais. Qual não é o meu espanto, Padre, quando a irmã Carina nos veio dizer que te viu a redecorar a tua casa com ornamentos lindíssimos! Essa pobre alma nem sequer fazia ideia de que, na verdade, estavas a extorquir dinheiro aos fiéis para proveito próprio. E que pecado enorme é esse! Fazes-me lembrar o papa Leão X, quando impôs as indulgências para acabar a construção da Basílica de S. Pedro, no Vaticano. Em todas estas coisas procedeste mal, pondo em causa a tua credibilidade. E digo-te todas estas coisas para que te comovas e arrependas.

IV

Agora, Padre, passarei aos teus louvores, para que saibas o que de bom tens feito e que é necessário que continues a fazer, neste pouco tempo que nos resta.
Uma coisa que sempre admirei em ti, Padre, é o teu sentido de liderança, a tua força de vontade e o teu desejo de aprender cada vez mais. Nisto, dás tu sempre o exemplo. Lês bastante e, sobretudo, tentas compreender o que lês. Por isto, também te louvo, Padre, pois dou valor a pessoas cultas e instruídas.
Organizaste convívios em casa dos irmãos enfermos, para que estes se sentissem bem. Transmitiste-lhes esperança e rezaste por eles, alguns abeirando-se da morte. Foste perseverante e incansável.
Sempre te interessaste pela missão, e pela chamada de Deus à pregação noutros países. Nunca baixaste os braços e viajaste um pouco por todo o mundo convertendo pessoas, novos e velhos.
Dou muito valor ao facto de teres conseguido manter a tua Igreja unida. Muitos Padres não conseguem “agarrar” os seus crentes, mas tu conseguiste. Recorreste a coros excelentes, a instrumentos musicais deslumbrantes e à pregação da Palavra de forma entusiasta. (Pena que não creste no que pregaste!).
É de louvar também o teu gosto pela Natureza e pelo ar puro, porque sempre te preocupaste em manter o jardim da Igreja aprazível. As pessoas que passavam na rua teciam-lhe os maiores elogios e, por vezes, escapuliam-se por detrás dos arbustos só para conseguir um raminho de magnólias ou de margaridas. Também sempre permitiste que os passarinhos lá fizessem os seus ninhos, que os sapos saltitassem de um lado para o outro e que as formigas formassem os seus carreiros para carregar a sua comida. Nunca te intrometeste neste ciclo da Natureza.
No que diz respeito às épocas festivas, foste tu quem organizou as quermesses de Natal com pompa e circunstância; foste tu que ajudaste na escolha do presépio e que montaste as luzes à entrada da Igreja. Na Páscoa, trouxeste os pães, o vinho e deste chocolates às crianças da catequese. Também procuraste novas músicas para o coro da Igreja e encenaste peças de teatro com as crianças, para celebrar a morte e ressurreição de Cristo. E dou muito valor ao teu trabalho com as crianças, porque elas são o futuro! Em todas estas coisas foste incansável e reconheço o teu esforço.
Elogio também, Padre, o trabalho que desenvolveste nos meios de comunicação social. Tentaste aproximar as pessoas cada vez mais de Deus e isso é notável. Fizeste um programa de televisão, de rádio e escreveste vários artigos para os jornais, a que os olhares curiosos não resistiram. Soubeste como tomar partido das novas tecnologias para espalhar a Palavra de Deus e atrair pessoas de todo o mundo. Por isto também te louvo, por seres um pregador global, que não se contenta com pouco e que vai à luta. Tomara muitos terem a tua força e ousadia!

V

Descendo agora ao particular, Padre, vou referir certas situações em que mereces ser louvado.
Lembras-te quando fomos os dois pedir autorização à diocese, para colocar projectores na Igreja? Pois é, aí revelou-se a tua persistência. Apesar de estarem reticentes, tu enumeraste uma série de vantagens que os convenceram. Graças a isso, foram-nos dados mais dois projectores do que aqueles de que precisávamos.
Recordo-me também de uma vez, Padre, em que estávamos num jantar-convívio com os irmãos da Igreja, num restaurante não muito longe daqui. A vitrina do restaurante dava directamente para a rua, onde se via a estrada e um grande jardim ao fundo. O jantar decorreu normalmente; conversámos, rimo-nos de algumas peripécias e festejámos o aniversário de uma irmã. De repente, tu saíste do restaurante, preocupado e aflito, e todos nos questionámos sobre o que tinha acontecido. Quando fomos à rua, estavas tu de mão dada com um menino, que mais tarde nos disseste ter jogado a bola com que brincava para a estrada. Tu, sem pensar, socorreste-o e explicaste-lhe o perigo que corria. Louvor te seja dado por isso, Padre!
Elogio também, Padre, a tua participação na construção e fundação de várias Igrejas, como por exemplo, a Igreja do Sobralinho. Supervisionaste a sua construção e participaste nela; não ficaste de braços cruzados como fez o Padre dessa mesma paróquia. Carregaste baldes de cimento, levaste sacos de areia e ajudaste no fabrico de bancos para a Igreja, com as tuas capacidades de carpintaria. Escolheste ornamentos belos para o claustro da Igreja, conseguiste arranjar donativos para a compra dos instrumentos musicais e restauraste as imagens dos santos.
Padre, muitos louvores te sejam dados pela conversão da minha família! Quando nos conheceste, viste uma família desunida, que discutia por tudo e por nada; era evidente que um vazio enorme havia crescido entre cada um de nós. Quando a minha mulher, Alice, se converteu, vi um brilho nos olhos dela como nunca tinha visto. As minhas filhas também se converteram e por isso hoje não estão aqui. Sei que eram felizes e isso basta-me; também sei que as irei reencontrar um dia.
Por tudo isto te louvo; por todas estas qualidades que tens e que deves preservar, para que possas dar frutos. “Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento, e não comeceis a dizer em vós mesmos: Temos Abraão por pai; porque eu vos digo que até destas pedras pode Deus suscitar filhos a Abraão” - Lucas 3:8.

VI

Padre, após ter mencionado tudo isto, repreensões e louvores, espero que reflictas sobre cada palavra que te disse. Dirigi-me a ti, Padre, para que possas ser salvo e para que encontres o verdadeiro caminho; para que não sejas “deixado para trás” para sempre. Penso que o objectivo foi cumprido. Estavas perdido e completamente confuso.
Tudo neste mundo tem uma razão de ser; Deus não me enviou aqui por acaso; ao contrário do que muitos pensam, não é Deus a causa de todas as coisas más que acontecem no mundo, mas sim os homens, que são traiçoeiros e que lutam, se for preciso, até à morte. Lutam por terras, lutam por coisas insignificantes, lutam pela religião; Deus enviou-me porque te quer dar uma segunda oportunidade, a ti e a todos aqueles que não aproveitaram a primeira. Sê sábio e aproveita-a, porque quero que sejas salvo. Mais uma vez te digo que os próximos anos, vão desafiar a nossa fé e não nos podemos dar ao luxo de nos separar. Quero que sejas mais do que um amigo, quero que sejas meu irmão!



Joel Bernardo, 11ºD
Joan Silva, 11ºA

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Propostas da biblioteca

Na biblioteca existem dois exemplares de um CD-audio em que se pode ouvir o Sermão de Santo António (aos Peixes), do Padre António Vieira, dito pelo poeta Ary dos Santos, com trechos de música de órgão de autores portugueses da época:


SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO (AOS PEIXES) [registo sonoro] / Padre António Vieira ; textos lidos por Ary dos Santos ; extractos de órgão de Manuel Rodrigues Coelho , Heliodoro de Paiva , António Carreira. - Lisboa : Strauss, 1994. - 1 disco CD audio : stereo 12 cm

Cota (086.7)82-5 VIE s

Números de registo:
5281
5282

Outros autores...

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Sophia de Mello Breyner Andresen






Este poema pode ser ouvido num disco existente na biblioteca:



NO PALCO DA POESIA [registo sonoro] / Vitor de Sousa. - Lisboa : Ovação, 1995. - 1 disco CD audio : stereo 12 cm + brochura

Cota: (086.7)82-1 SOU p -

nº de registo: 5285







Outros autores...

António Vieira

O céu 'strela o azul e tem grandeza.
Este, que teve a fama e à glória tem,
Imperador da língua portuguesa,
Foi-nos um céu também.

No imenso espaço seu de meditar,
Constelado de forma e de visão,
Surge, prenúncio claro do luar,
El-Rei D. Sebastião.

Mas não, não é luar: é luz do etéreo.
É um dia; e, no céu amplo de desejo,
A madrugada irreal do Quinto Império
Doira as margens do Tejo.


Fernando Pessoa, Mensagem

Outros autores...

SOBRE Padre António Vieira


Filho peninsular e tropical
De Inácio de Loiola,
Aluno do Bandarra
E mestre
De Fernando Pessoa,
No Quinto Império que sonhou, sonhava
O homem lusitano
À medida do mundo.
E foi ele o pioneiro.
Original
No ser universal...
Misto de génio, mago e aventureiro.


Miguel Torga, Poemas Ibéricos

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Frontespício das edições originais dos sermões II


Consultar cópia digitalizada desta obra em na Biblioteca Nacional Digital em:
http://purl.pt/292

Frontespício das edições originais dos sermões I


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Aproveitem e consultem este serviço da Biblioteca Nacional: